segunda-feira, 7 de março de 2016

Ditadura do Poder Judiciário

A SEPARAÇÃO DOS PODERES E A DITADURA DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

   
JORGE AMAURY MAIA NUNES

   


                                               Brasília - 1995






           

INTRODUÇÃO      

            Parece que a todos os que lidam com os princípios organizativos do Estado moderno é motivo de perplexidade a norma incrustada no artigo 2º da Constitui­ção ("São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Le­gislativo, o Executivo e o Judiciário), não tanto pela sua expressão literal, mas, possivelmente, em face do pequeno grau de correspon­dência que esse princípio vem tendo no chamado mundo sensível — considerado aqui especificamente o Estado brasileiro —, a ponto de juristas do porte de Galeno Lacerda[1] terem afirmado que os poderes Legislativo e Executivo são subor­dinados ao Judiciário. No mesmo sentido — da supremacia do Poder Judiciário — é o lecionamento de Sacha Calmon Navarro Coelho, afirmando que dessa posição sobranceira é que adviria o poder de "negar eficácia às leis feitas pelo Legislativo e de anular os atos de execução das mesmas (sic), promovidos pela Administração Pública." [2]

            Ao que tudo indica, mais de três Séculos de elaboração, experimentação e consolidação da teoria da separação dos poderes não foram suficientes para espancar as hesitações doutrinárias e práticas a respeito do perigo que representa o abandono da tese: o poder pára o poder.  Isso se deve, talvez, a uma tresleitura do princípio ou à necessidade de sua releitura, não sendo poucos, porém, os que sustentam que, avelhantada, a teoria "expirou desde muito como dogma de ciência."[3]

            Será que se corre o risco, hoje, de cair na ditadura do Judiciário, como sustenta Calmon de Passos[4], justa­mente dos três poderes aquele que não possui le­gitimação política?

            Nesse sentido, expressiva a manifestação do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos[5], especialmente sobre a situação de "cúmplice passivo da desordem", que é ostentada pelo Poder Judiciário, imune a qualquer controle, refratário a reformas e insubmisso ao poder soberano do voto; daí a sua ausência de legitimação política.

                         Ou é esse um falso dilema?  Afinal, como se tem sustentado axiomaticamente, algum dos poderes tem de dar a última palavra sobre as disceptações entre eles e, por isso, é justo que esse poder seja atribuído ao Judiciário, o único que não está sujeito a pressões, em razão das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, deferidas a seus membros pela  Lex Legum. Demais disso, como afirmou Charles Huges. "a lei não é o que é. Ela é o que o Judiciário disser que ela é."[6]

            A questão, porém — obtempera-se —, é justamente a ausência de controles sobre o Judiciário, porque, como atesta Montesquieu no seu "O Espírito das Leis", todo homem que detém o poder tende a dele abusar. [7]
           
                        Verifica-se, nessa linha de entendimento — e esse e o cerne da problematiza­ção — , que juízes de todos os graus de jurisdição, e no exer­cício de competências outras que não a penal,  soem determinar a prisão, geralmente de autoridades pú­blicas, sob o argumento de que essas, em regra, teriam co­metido crime de desobediência, ou de prevaricação, sempre que descumpridos comandos judiciais. A demonstração desse fato é assaz facilitada pela verdadeira pletora de julgamentos e acórdãos lançados diariamente no Diário de Justiça da União, contendo decisões a respeito desse tema.

            A questão é: o sistema jurídico constitucio­nal brasileiro permite o entendimento, esposado por esses juízes, de que a expedição de ordens de prisão nessas condições, se insere na sua seara de atribuições, estando o proceder em causa acobertado sob o manto do Poder Jurisdicional que lhes é deferido? Se não permite, por que agem assim os nossos jul­gadores? revivescência da escola do direito livre, exacer­bação do direito alternativo?

            O tema não é pacífico: as manifestações doutrinárias têm refletido mais ou menos o vínculo profis­sional dos doutrinadores que dele se ocuparam — se oriundos da magistratura fa­zem a apologia do sistema; se não, criticam-no a não mais poder.

                        Impõe-se um exame crítico do assunto, em termos do que realmente significa ou pode significar a separação dos poderes, como concepção teórica e como princípio referenciado ao ordenamento jurídico-político brasileiro,  de modo a tentar descobrir, se for o caso, em que medida a dimensão que se lhe atribua repercutirá sobre o  relacionamento do Judiciário com os demais Poderes.

            Como concepção teórica, pareceria correto admitir que os formuladores do princípio e seus precursores (Aristóteles, por exemplo) não conferiram ao Poder Judiciário a posição de proeminência que parcela da doutrina juspublicista  lhe atribui.  Locke[8], com efeito, a ele nem sequer se refere como poder autônomo; Montesquieu dispensa-lhe um papel secundário, como um desdobramento da atividade executiva.[9]

            Como princípio referenciado ao ordenamento jurídico brasileiro, o seu acolhimento constitucional não é, por si só, capaz de deitar luzes definitivas ao problema. É que, como advertem Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito[10], os princípios ensartados no Estatuto Político, entre eles o da separação dos poderes, "padecem de uma imprecisão conceitual ontológica", fenômeno, aliás, reconhecido por praticamente todos os constitucionalistas que se ocuparam do exame da matéria.

            É necessário, pois, precisar esse conceito, sempre tendo presente que todos os elementos interpretativos do texto constitucional hão de ter sua conformação exclusivamente endógena, dada a noção de autorreferência que cerca a hermenêutica constitucional[11].

            Não se pretende, contudo, fazer dessa investigação mera formulação teórica, desvestida de utilidade prática. Está em curso uma revisão constitucional. É a oportunidade, pois, de se rediscutir o relacionamento do Poder Judiciário com os demais poderes, bem assim as formas de controle e legitimação a que deva ser submetido e, mesmo, a sua forma organizativa (relacionamento intrapoder).  

PODER
 
Conceito de Poder

            Sendo objeto da investigação uma afirmada separação, faz-se necessário saber o que se pretende separar; é preciso saber qual "poder" vai ser objeto de separação — e, mesmo, se é de separação que se trata — , isto para que possamos forrar-nos a críticas que eventualmente sejam lançadas na esteira do pensamento de Norberto Bobbio para quem "não há teoria política que não parta  de alguma maneira de uma definição de "poder"  e de uma análise do fenômeno do poder."[12]

            Ocorre que a definição do que seja poder, dentro da visão que interessa ao objeto de nossa análise, não é tarefa das mais simples. Adverte, a esse respeito, Claude Raffestin que "Se há uma palavra profundamente rebelde a toda definição certamente esta é poder." Não se abate com isso, porém,  o professor de Genève; admite, ao revés, a necessidade de não se dar por satisfeito com qualquer confissão de impotência a esse respeito.[13]

            É mister, pois,  prefacialmente, como sugere esse Professor, proceder por aproximação,  extraindo quaisquer ambigüidades da expressão — ainda que para isso se as tenha de realçar.

            Não se cuida, é claro, para o atingimento desse desiderato, de confinar o Poder ao Estado, nem assimilar uma coisa a outra, embora pareça exato considerar, como o faz Jean Dabin[14], que existe íntima conexão — relação de causa e efeito — entre o poder e o direito positivo de um determinado Estado.

            Por outro lado, não se cogita de obter um conceito antropológico ou sociológico do poder, a não ser  no que isso seja necessário  para a formulação de um conceito que privilegie os seus aspectos jurídico e político.[15]

            Jacques Cadart, a esse respeito, destaca que não possui qualquer dificuldade em distinguir o poder genérico, objeto da Antropologia e da Sociologia, do poder político, espécie, objeto da Ciência Política, e do poder estatal, objeto da Teoria Geral do Estado e do Direito constitucional.[16]

            Para nós, o melhor caminho será partir dos qualificativos gerais do poder. Nesse sentido, pode-se afirmar que o poder é a aptidão, de etiologia difusa, de um indivíduo ou grupo de indivíduos de submeter outros da mesma espécie, minoritários ou majoritários, à sua vontade — id est, a atender ao seu querer — sem embargo de haver contestação ou resistência a essa vontade. Aliás, cumpre que se diga que a resistência é elemento inerente ao poder, tanto quanto o seu caráter relacional.[17]A sua origem pode encontrar-se, indiferentemente, na força física, na força tecnológica, no poder de persuasão, sedução, na disponibilidade de informação, ou em alguns desses elementos, ou em todos.

            Essa aptidão, quando dirigida à organização da sociedade, representa o poder político. Consiste ele, segundo o lapidar magistério de Meirelles Teixeira, "na possibilidade concreta, que assiste a uma comunidade, de determinar o seu próprio modo de ser, os fins e os limites de sua atuação, impondo-os, se necessário, a seus próprios membros, para a consecução do bem comum."[18]
                                  
            Não se logra demonstrar com facilidade, porém, que a vontade do grupo exercente do poder represente, teleologicamente, o bem comum para a coletividade sobre a qual é exercido o poder, como também se tem como certo que bem comum é um conceito absolutamente vago.  Aliás, Locke, no capítulo I do seu Ensaio sobre o Governo Civil, já firma o seu conceito a respeito do Poder Político, imbricando-o, com o bem público (=bem comum). Assevera o jusfilósofo inglês: "Entendo, pois, por poder político o direito de fazer leis que estejam sancionadas com a pena capital e, em conseqüência,  leis sancionadas com penas menos graves para a regulamentação da propriedade; e de empregar as forças do Estado para impor a execução de tais leis e para defender a este (Estado) de todo atropelo externo; e tudo isto com vistas ao bem público."[19]

            No mesmo sentido, relata Machado Paupério que "de tal modo está a autoridade ligada à consecução do bem comum, que no antigo Egito só se tinha por bom o Faraó que, construindo barragens e canais, tivesse produzido boas inundações do Nilo e, portanto, bons efeitos fertilizantes para a terra."[20]  
                                  
            Como, todavia, a expressão, bem comum, constitui algo difuso, parcela da doutrina, visando a contornar o problema, elimina ou substitui a expressão, colocando em seu lugar paráfrases do tipo solução dos problemas sociais ou de fins sociais[21], o que também definitivamente não resolve a questão.
           
            O problema está em que o Poder Político tem sido entendido como uma forma homogênea que brota no seio da sociedade e que busca organizá-la, conceito utópico, que não possui razão de ser. Com efeito, são hoje inadmissíveis as teorias contratualistas de Locke e Rousseau e, bem assim, o pacto de sujeição de Hobbes[22].

            Há de ser admitida, pelo menos para os tempos modernos, a existência da atomização do poder, com o aparecimento de grupos de pressão defendendo interesses corporativos,[23] nada homogêneos, contrapondo-se uns aos outros, na eterna prática de lobbies. A sociedade inorganizada, como acentua Jean Dabin — ou os grupos de pressão, como cremos nós — termina por impor sua lei[24] ao Estado.

            Isso não quer dizer que se pretenda assimilar poder político a poder estatal, como o faz entre nós, por exemplo, Pontes de Miranda, consoante apontado por Meirelles Teixeira[25], até porque o poder político é anterior ao Estado, preexiste ao Estado, funda  ele próprio o Estado — agora mesmo, nos tempos presentes, assiste-se a este fenômeno a todo instante com a criação dos estados independentes que surgiram com o fim da União Soviética,  e com a dissolução da Iugoslávia  etc. Seria logicamente impossível admitir um poder estatal fundando o próprio Estado. Coerentemente só se pode admitir o Estado sendo criado por um ente que lhe seja externo e anterior.

            Isso, porém, não se incompatibiliza com o magistério de Miguel Reale que admite um tendência natural para que o poder político, uma vez instituído o Estado, se torne cada vez mais estatalizado. Afirma o pai da Teoria Tridimensional do Direito: "... o que se pode verificar é a jurisfação, ou seja, a juridicidade progressiva do poder, mas nunca o desaparecimento do poder... há uma dialética essencial entre direito e poder, de tal modo que o poder se subordina ao direito no ato mesmo em que se decide por uma das soluções normativas possíveis, em função dos valores e fatos que condicionam a decisão mesma. É a essa correlação dialética que denomino jurisfação do poder."[26]

            Em cima dessas premissas, podemos afirmar que essa capacidade de imposição da vontade individual, ou de grupos de pressão, à sociedade organizada, ou à organização da sociedade — visto como lhe é precedente — e que tende, em certo sentido, após um momento inicial, a se confundir com a sociedade por ela organizado é que se chama Poder Político.

Exercício do Poder

            Questão que se coloca é, conceituado o poder político, saber a quem toca o seu exercício, na organização da sociedade política.
                       
            Há nessa matéria certa unanimidade em assimilar, no momento da gestação do Estado, o conceito de poder político ao de soberania[27]. Esse parece ser, por exemplo, o pensamento de Machado Paupério, supedaneado em Ranelletti: "A soberania poderá pertencer ao povo, no momento da constituição de um Estado ou da instauração nele de uma nova forma de governo. Nesse caso,  o poder que cabe ao povo é um poder de fato, não um poder jurídico, que não pode existir antes da constituição do Estado.[28]

            Em sentido mais amplo, encontramos o magistério de Leon Duguit: "Eu estou convencido que todas essas discussões sobre o sentido o alcance da palavra soberania são inteiramente despiciendas, porque as expressões soberania, poder político, poder de dominação são sinônimas."[29]

            Não se pode, porém, qualquer que seja a corrente adotada, é abraçar a, data venia, ingênua visão — que, conceda-se, foi de vital importância para a história da humanidade, a partir  da adoção, na França, do pensamento  do Abade Sieyés, que permitiu a convolação dos Estados Gerais em Assembléia Nacional  — de que a soberania é cometida ao povo, considerado como uma  unidade homogênea.

            Não se descura da conotação histórica que é, certamente, da maior importância. O cometimento da soberania, como poder de organização da sociedade, ao povo, partia da necessidade de oposição que se fazia ao sistema absolutista vigorante na França, que atribuía todo o poder ao Rei, poder esse de natureza divina, enquanto que na Inglaterra, onde  já se implantara a chamada monarquia constitucional com Guilherme de Orange, o exercício do poder político já passara para outras "mãos, sob a inspiração dos ensinamentos de Locke — que, fique bem claro, não era totalmente original  nas suas concepções — ,  que inspirou as primeiras formulações sobre o princípio da separação dos poderes e que são, restará demonstrado, algo diversas das formulações teóricas hoje prevalecentes.
  
            Parece certo admitir, contudo, nos tempos de hoje, que o exercício do poder político multifacetado, fragmentário, atomizado, segue duas vertentes: uma institucional, em que o poder é exercido — e assegurado — por órgãos criados e reconhecidos pelo Estatuto Político do Estado, a Constituição; outra em que o poder é exercido sobre esses órgãos, através de entes, personalizados ou não, formadores de opinião, ou seja, capazes de influir sobre o ânimo da coletividade (por exemplo, o Direito brasileiro não reconhecia as centrais sindicais cujos representantes eram, sem embargo, interlocutores constantes do Governo na formulação da política de formação de preços, na  política salarial e de modo geral, na formulação da política econômica).

            Nisso não há, porém, inteira novidade. Com efeito, a separação dos poderes, que será vista com mais vagar na seção subseqüente, partia de princípios similares aos que hoje provocam a partição do poder.  Novo é apenas o aspecto fragmentário do poder e o fato de que a sociedade moderna — considerada aqui apenas a chamada civilização ocidental — não é rigidamente estratificada. Talvez até tenha sido a existência de sociedades rigidamente estratificadas a mola propulsora do desenvolvimento da teoria da soberania popular.

            O exercício do poder político é, assim, do povo; não, porém, como unidade homogênea, mas sim de forma fragmentária, embora não estamentalizada, onde a sociedade inorganizada encontra múltiplas formas de manifestações e interesses sem que se possa perceber exatamente qual o interesse prevalecente, sendo certo que o prevalecer de idéias não está necessariamente ligado à expressão numérica do fragmento social mas sim à capacidade de organização, articulação e pressão.


SEPARAÇÃO DOS PODERES

Considerações Prévias        

            Tem-se admitido como certo que o Princípio da Separação dos Poderes, de estatura constitucional, influi  de maneira preponderante na formação do Estado, sendo acolhido praticamente em todas as modernas constituições, ressalvada a Constituição do Estado do Vaticano.[30]

            É certo, porém, que os princípios insculpidos no Estatuto Político "padecem de uma imprecisão conceitual ontológica", como já apontado preambularmente, cabendo à doutrina precisá-los. No caso concreto, cumpre especificar o que hoje significa o Princípio da Separação dos Poderes e como foi ele lançado no ordenamento constitucional brasileiro pelo poder constituinte originário.

            Isso não poderá ser feito senão com o estudo da evolução do pensamento  filosófico e científico a respeito do tema.



Aristóteles, o Precursor

            Toda investigação a respeito conduz ao estagirita como precursor da Teoria da Separação dos Poderes. Ao conceber no seu A Política os princípios informadores da constituição mista, ou da constituição média[31], já previa a partição do poder entre classes, idéia que certamente foi assimilada pelos modernos formuladores da teoria sob exame: o equilíbrio do poder político, através de sua distribuição através das várias classes sociais, como forma de representar os chamados fins sociais realmente queridos por toda a coletividade.

            Para atingir esse desiderato Aristóteles entendia ser necessário misturar as diversas formas de governo que concebeu — realeza, aristocracia e república, formas boas, e tirania, oligarquia e demagogia, formas más.[32] [33] [34]  —  , porque nas constituições puras[35] um único grupo ou classe social detém o poder político.

            A constituição mista é, para Aristóteles, aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em que o exercício da soberania, ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única parte constitutiva é comum a todas.

            Há, pois, na teoria das constituições mistas, uma espécie de separação dos poderes (poder político) através de sua distribuição entre as várias classes sociais, embora não tivesse cogitado Aristóteles, ainda, de uma expressa divisão orgânica.
             
Locke

            Menos festejado do que Montesquieu, parece certo afirmar que foi Locke quem assentou — visando a dar legitimidade à assunção de  Guilherme de Orange ao trono inglês — as bases do Princípio da Separação dos Poderes, ou, mais bem dizendo, de uma das formulações conceituais de maior prestígio a respeito do tema.[36]

            As formulações de Locke não eram de natureza meramente teórica. Ao revés, fundavam-se na experiência inglesa e, ao que parece, representavam os anseios políticos da época.

            Locke encontrava  estabelecida no Estado Inglês a temática da constituição mista porquanto o rei, a nobreza e os comuns ocupavam posições bem definidas tanto nas instituições estaduais quanto no exercício do poder político.[37]

            Ao contrário, porém,  do que se sucede na teoria das constituições mistas, que se baseiam num fato natural, Locke, a exemplo de Rousseau e Hobbes,  encontra a essência do poder político e, por via de conseqüência, do Estado, em um pacto — pacto de sociedade para os dois primeiros, pacto de sujeição para o último.

            A adoção da teoria contratualista sugere que Locke se afasta da teoria mista da distribuição estamental do poder e pugna pela divisão de poderes; classifica-os em legislativo, executivo e federativo, sendo que este último concerne aos assuntos exteriores (poder de fazer a guerra, a paz, constituir ligas e alianças e de levar adiante todas as negociações que seja preciso realizar como pessoas e comunidades políticas alheias).[38]

            Paulo Bonavides[39] aponta ter Locke distinguido o Judiciário como um poder autônomo. Na mesma senda caminha Jose Maria Rodriguez Paniagua[40]. Essas opiniões são, a nosso ver, equivocadas.  Deveras, o exame da fonte primeira, O Ensaio sobre o Governo  Civil, não autoriza  a conclusão a que chegam. Com efeito, a epígrafe do Capítulo XII bem demonstra o pensamento do filósofo inglês: Do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Federativo da Comunidade Política; e, nele, somente  esses três poderes são versados.

            É claro que Locke não desconhece a necessidade do exercício da função judicial, mas o atributo que lhe comete é esse mesmo: de função; jamais lhe empresta a conotação de poder independente. Assim, por exemplo, ao cuidar da sociedade Política, ou Civil, no Capítulo VII, afirma: "Isto é que retira os homens de um estado de Natureza e os coloca dentro de uma sociedade civil, quer dizer, o fato de estabelecer neste mundo um juiz com autoridade para decidir todas as disputas e reparar todos os danos que possa sofrer um membro da sociedade. Esse juiz é o Poder Legislativo."[41] O exercício da função judicial seria, pois, atribuído ao poder legislativo, ou a quem ele delegasse; jamais seria um outro poder.

            Esclareça-se que essa separação de poderes concebida por Locke não os colocava em absoluto pé de igualdade. É compreensível isto: assim como Hobbes, no Leviatã, fazia a apologia do poder absolutista (daí o pacto de sujeição), Locke  atacava as bases dos Estados absolutos conferindo o poder de fazer as leis à sociedade como um todo e vinculando o chefe do Executivo a agir na sua conformidade. Suas palavras não deixam margem a dúvida:

             "Não somente é o poder legislativo o poder máximo da comunidade política; é também sagrado e imutável em mãos onde a comunidade o haja situado. Nenhum edito ou ordenação, seja de quem seja, qualquer que seja sua redação e qualquer que seja o poder que lhe dê supedâneo, tem a força e a obrigatoriedade de uma lei, se não tiver sido aprovada pelo poder legislativo eleito e aprovado pelo povo." [42]
                                  
            Sem embargo dessa supremacia do Legislativo, parece evidente que a atribuição do poder executivo ao monarca 1) aproximava a teoria de Locke da teoria das constituições mistas e 2) intuía a separação de funções do Estado de forma não estanque, sobretudo porque reservava ao Poder Executivo a chamada Prerrogativa, uma espécie de  poder de editar medidas provisórias, para promover o bem comum, onde a lei fosse omissa ou lacunosa, ou mesmo, em certos casos, agir contra legem para atenuar os rigores da lei[43].

             Isso tudo nos leva a crer ter sido Locke o primeiro formulador de uma teoria da separação dos poderes, embora essa, evidentemente, não corresponda àquela que foi popularizada por Montesquieu que, registre-se, foi construída, indutivamente, a partir da observação do filósofo francês sobre a Constituição e a praxis inglesas.

Montesquieu
            Escreveu Madison nO Federalista: "O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo de modo mais eficaz à atenção da humanidade."[44] Essa a dimensão que se deve atribuir ao contributo de Montesquieu à teoria da separação dos poderes, que se erigiu em princípio fundamental da organização política do Estado moderno[45], marcando a evolução do constitucionalismo francês e mundial, sobretudo após sua inserção no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, soando "Toda sociedade na qual  não esteja assegurada a garantia dos direitos do homem nem  determinada a separação dos poderes não possui constituição."

            É quase indissonante o entendimento de que o princípio da separação de poderes concebido por Montesquieu consiste em distinguir três funções estatais — legislação, administração e jurisdição — e atribuí-las a três órgãos ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercerão com exclusividade ou ao menos preponderantemente.[46]                     

            Não nos parece, contudo, que esse seja o único entendimento preponderante na teoria do jusfilósofo francês, como será demonstrado a seguir.

            A respeito de suas concepções, cujo conhecimento facilita a compreensão da teoria sob exame, é preciso que se diga que, diversamente de Locke e Rousseau, Montesquieu não é adepto das teorias contratualistas e, por isso, não vê o poder soberano unitariamente contido no povo.  Isso é facilmente identificável em diversas passagens de sua obra, quando se refere aos vários estratos sociais como eventuais detentores do poder político[47], o que autoriza o entendimento de que, mesmo com a não utilização expressa do termo, Montesquieu se aproxima seguramente da teoria das constituições mistas, de distribuição do Poder Político por entre os diversos estamentos sociais. Expressiva é esta passagem, extraída do famoso Capítulo VI do Livro XI:

Existem sempre num Estado pessoas eminentes pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honras.

Se elas ficassem confundidas entre o Povo, e não tivessem senão um voto como os outros, a liberdade comum seria a sua escravidão, e elas não teriam interesses em defender a liberdade, porquanto a maioria das resoluções seria contra elas.
A participação dessas pessoas na Legislação deve pois estar proporcionada às demais vantagens que têm no Estado. Ora, isto se dará se elas formarem um corpo com direito de frear as iniciativas do Povo, assim como o Povo terá direito de frear as delas.
           
Assim, o Poder Legislativo estará confiado não só  ao corpo de nobres mas também ao corpo escolhido para representar o Povo. Os dois corpos terão cada qual as suas assembléias e suas deliberações à parte, e pontos de vista e interesses distintos.

            Nuno Piçarra bem enfatiza esse aspecto e, em conseqüência, consegue examinar a teoria de Montesquieu debaixo de um duplo enfoque: um institucional, funcional, a que se chama separação vertical, que cuida da dimensão orgânico-funcional; outro, extra-institucional, ou separação horizontal, que cuida da dimensão político-social de sua doutrina.[48]

            É evidente a utilidade da dimensão político-social para a compreensão da obra de Montesquieu que, de sabença geral, era referida à Inglaterra do Sec. XVIII e que tinha como referencial inarredável a realidade social da França daquela época.  A distribuição do poder dentre os diversos estamentos buscava impedir a sustentação teórica das chamadas monarquias absolutas, se bem que em Montesquieu não se encontra uma real correspondência entre os diversos estratos sociais e os órgãos designados para o exercício do poder.

            Outro aspecto interessante na obra de Montesquieu, quanto à dimensão político-social é que, ao que parece, embora não adepto das teorias contratualistas, entendia o Barão De La Brède que a representação das classes era, internamente, fruto de uma vontade homogênea. Não havia, pois, para ele, conceito de maioria ou minoria dentro das classes. Esse conceito só poderia ser entendido se referenciado a outra classe.

            É induvidoso, porém, que o caráter mais festejado e mais conhecido da teoria de Montesquieu é o da separação das funções do Estado, como forma de evitar o arbítrio. Assevera o jusfilósofo que em cada Estado há três espécies de poderes: o Legislativo; o Executivo das coisas que dependem do Direito das Gentes e o Executivo das que dependem do Direito Civil.
                       
            Pelo primeiro, o Príncipe ou magistrado cuida da elaboração das leis, para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas; pelo segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne invasões;[49] pelo terceiro, pune os crimes, ou julga as demandas entre particulares.

A respeito dessa separação, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

"Em realidade, essa tripartição não tem o rigor necessário para ser acatada como científica. De fato, é fácil mostrar que as funções administrativa e jurisdicional são no fundo a mesma coisa que é a aplicação da lei a casos particulares. A distinção entre ambas pode estar de modo, no acidental, portanto, já que substancialmente não existe."[50]

            Talvez nem seja o caso de ingressar nessa discussão; porém, é evidente que o constitucionalista brasileiro sustenta exatamente a mesma posição que é esposada por Montesquieu. Não há dissenso entre eles como pareceu ao Professor brasileiro. Deveras, na variante que ora se examina, duas são as funções executivas: uma das coisas que dependem do direito das gentes (Poder Executivo do Estado); outra o Executivo das coisas que dependem do Direito Civil (Poder de Julgar)[51]. Ambas funções de natureza executiva no sentido de não serem atividade de criação do Direito, e serem, ao revés, atividades conseqüentes, atividades de aplicação do Direito.

            É bem de ver, porém, que, nada obstante trate de uma mesma atividade executiva, Montesquieu sugere que, subjetivamente, tais funções sejam atribuídas a seres distintos, como o faz, também, relativamente ao Poder Legislativo. É celebre a passagem que se reproduz:

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o Juiz seria Legislador.  Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor.
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes e as demandas dos particulares.

            Montesquieu, em diversas passagens, acentua uma enorme preocupação com o Poder de Julgar, com o que constitui, hoje, a atividade do Poder Judiciário, e busca, cautelosamente, neutralizá-lo, num exercício premonitório do que viria a acontecer mais tarde, por exemplo, nos Estados Unidos, onde se estabeleceu o chamado "governo dos juízes" e no Brasil. Fá-lo nestes termos:

O Poder de Julgar não deve ser entregue a um senado  — a expressão deve ser entendida como representando um grupo de pessoas de escol — permanente, mas exercido por pessoas tiradas do seio do Povo, em certas épocas do ano, da maneira prescrita em lei, para formar um tribunal que não durará senão o quanto o exigir a necessidade.
Deste modo, o Poder de Julgar tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a um certo estado, nem a uma certa profissão torna-se, por assim dizer, invisível e nulo.
..................
Mas, se os tribunais não devem ser fixos, devem-no os julgamentos. A tal ponto que não sejam estes jamais senão um texto preciso da lei. Fossem eles a opinião particular dos juízes, e viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente quais os compromissos assumidos."[52] — os grifos não são do original.                                 


O Moderno Conceito de Separação dos Poderes


            Referindo-se a esse princípio, alguns autores nacionais contemporâneos têm buscado demonstrar, hoje, a sua imprestabilidade. Nesse sentido, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho que "sua importância costuma ser minimizada, seu fim, profetizado, sua existência até negada... ela é mais aparente do que real"[53] Na mesma toada, Paulo Bonavides vai buscar em Coste-Floret a afirmação de que "há muito tempo a regra da separação dos poderes, imaginada por Montesquieu como um meio e lutar contra o absolutismo, perdeu toda a razão de ser."[54]

            Ora, não procede o entendimento dos que seguem essa corrente — pelo menos, não totalmente.  Deveras, o que se pode ter como certo dessa afirmação é que, sobretudo após a segunda guerra, não se fazem mais presentes as condições que autorizavam a formulação da teoria da separação os poderes especificamente referenciada à partilha do poder político, no sentido de que todos os estratos da sociedade deveriam estar representados no concerto do exercício das funções estatais.

             Realmente, com o declínio das  monarquias, mais bem dizendo, com o declínio das estruturas monárquico-constitucionais detentoras do poder político e com  a ascensão da chamada democracia parlamentar, desapareceu o próprio substrato fático que autorizava a construção da teoria das constituições mistas e da separação horizontal do poder, já que todo o poder político passou a ser concentrado de modo uniforme no seio de toda a coletividade, dentro de uma concepção que pode, nesse ponto particular, ser  considerada rousseauniana.   

            De outra parte, não se pode cogitar de, com a ausência da sociedade estamentalizada, com diferentes pólos de poder, uma inaplicação total dos postulados lançados por Montesquieu. Com efeito, já se disse aqui, ao lado da separação horizontal, cuidou Montesquieu de uma separação orgânico-funcional. Cometeu as principais atividades estatais preponderantemente a certos órgãos, ainda que taxionomicamente se possa lançar essa ou aquela crítica a esse cometimento. Bem de ver, contudo, que próprio conceito de Poder Executivo à época da formulação de Montesquieu era absolutamente distinto do que se tem hoje. O Poder Executivo de então se resumia ao poder de executar  as resoluções públicas e se obtinha  por oposição, e residualmente, a Legislativo. Em outras palavras, o que não fosse atividade de criação da lei seria atividade executiva. De outra parte, a Europa daquela época não concebia  um Estado onipresente[55], atuando em todas as frentes participando ativamente do jogo da economia e atuando como "Estado assistencial" ou Estado "providence".

            Mesmo, porém, com a alteração que se possa ter do conceito de Poder Executivo, permanece válida, a nosso pensar, a divisão orgânico-funcional preconizada na teoria da separação dos poderes[56] que tem, até, o condão e estremá-la da teoria das constituições mistas, de purificá-la, portanto.

            Mister se faz, apenas, que os exercentes do poder (no aspecto orgânico-funcional), sejam legitimados pelos detentores do poder político nas democracias representativas, por meio de processos seletivos e temporários de representação.

            Também não merecem qualquer credibilidade as afirmações que rejeitam a teoria da separação dos poderes porque a prática constitucional demonstrou ser impossível uma total separação, sendo preferível falar-se em interdependência entre os poderes. É preciso que se diga que Montesquieu jamais preconizou a separação absoluta entre os poderes. Ele conhecia a versão da balança dos poderes, ou sistema de freios recíprocos, controles recíprocos, tributário que era, confessadamente, do constitucionalismo inglês, de onde é originário essa idéia. Nem por outro motivo, uma das expressões mais famosas de Montesquieu é: o poder pára o poder.  Justamente por isso, atribui aos poderes a faculté d'empêcher e a faculté de statuer sendo a primeira, obviamente, um meio de controlar ou contrabalançar o poder de um outro órgão. 

            Parece possível admitir, portanto, o pleno espaço que possui essa teoria como uma das formas de garantia contra o arbítrio, se bem aplicada for.

            Ocorre, todavia, que, desaparecida a sociedade estamental, o palco da garantia de poder político dividido entre classes sociais, subsiste com outros atores, e em que a tentativa do arbítrio, da opressão, é mais dissimulada, mais daninha e, quiçá, mais nociva, porque não representa sequer os anseios de uma classe, mas inconfessadas pretensões pessoais ou de grupos estritos. Isso, porém, será analisado quando for tratada a realidade do Poder Judiciário Brasileiro. 


A SEPARAÇÃO DOS PODERES NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

            Desde a nossa primeira Constituição, a Constituição Imperial de 25 de março de 1824, que a separação dos Poderes é prevista no nosso ordenamento positivo. De fato, o Título III, que cuida "Dos Poderes, e Representação Nacional" o consagra expressamente, in verbis:

            Art. 9° - A divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece.
            Art. 10 - Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o poder legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial.
            Art. 11 - Os representantes da nação brasileira são o Imperador e a assembléia geral.
            Art. 12 - Todos estes poderes do Império do Brasil são delegados da nação. 

            De diferente, aí, somente o Poder Moderador; no mais, é a estrutura de uma monarquia constitucional. A Constituição Brasileira de 1824 e a Constituição portuguesa de 1826[57] adotaram o Poder Moderador sob o influxo das idéias de Benjamin Constant, que partia do princípio de que os três poderes ordinariamente concebidos na Teoria de Montesquieu poderiam entrar em conflito de tal forma que se estabelecesse um impasse paralisante da atividade estatal.

            Esse Poder Moderador, cometido exclusivamente ao Imperador, é que teria as funções de solucionar os impasses que porventura viessem a ocorrer entre os outros Poderes. No caso brasileiro, porém, como o Poder Executivo e o Moderador eram atribuídos ao Imperador, não se conseguia a neutralidade que este último deveria possuir — consoante a concepção de Benajmin Constant —, ocorrendo, isso sim, uma verdadeira hipertrofia do Poder Executivo.

            A primeira Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, acolheu o princípio na sua forma tradicional, dispondo:

            Art. 15. São órgãos da soberania nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e independentes entre si.

            A Constituição de 1934, limitou o exercício dos poderes políticos aos lindes estatais — jurisfação do poder — expressando, no seu artigo 3°:
            Art. 3° São órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si.

            Ainda que tenha tido vida breve, convém esclarecer que a Constituição de 34 retomou, certa maneira, uma espécie de Poder Moderador, só que não mais atribuído ao Chefe do Executivo e sim ao Senado. Dispunha, deveras, a regra do Artigo 88:

            Art. 88. Ao Senado Federal, nos termos dos arts. 90, 91 e 92, incumbe promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência.[58] 

            Por motivos óbvios, a Constituição de 1937 não consagra o Princípio da Separação dos Poderes. A estrutura concebida pelo Estatuto Básico de então, a nosso ver de estrutura evidentemente ditatorial, encontra o seu apologista em Francisco Brochado da Rocha:

                        “No presidencialismo brasileiro de 1937, o poder público não se divide. O poder, que é uno, pertence, na sua totalidade, à Nação, ao seu povo. São os órgãos do poder, não o próprio poder, que se especificam: Parlamento, Presidente da República Tribunais; mas já não é a mesma natureza da tripartição clássica. Como outrora, na Carta de Castilhos, a competência é preferentemente objetiva. O Parlamento retém ainda a tarefa legiferante, mas só a retém em parte e o Judiciário aplica a lei. O presidente da República, entretanto, não incorpora só a atividade executiva. Ele vela pela execução da lei e possui igualmente, não só a participação, mas também as funções legiferantes, quer por direito próprio, quer por suplemento temporário, quer por delegação imperativa. Sua posição proeminente se manifesta; ele é a suprema autoridade do País.”[59]  

            A Constituição de 1946, retomando a tradição, estabelece, no seu artigo 36:

            Art. 36. São Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si.

            Somadas as verba legis acima à dicção do artigo primeiro, "todo poder emana do povo", tem-se a concepção orgânico-funcional de Montesquieu, evidentemente com a atualização do conceito de Poder Executivo.

            A Constituição de 67 (inclusive a Emenda n° 1 de 1969) manteve, no seu artigo 6°, sem qualquer alteração de substância, mas com pequena inversão, a mesma redação da Constituição de 46.

            A Constituição de 1988, no Título I, que cuida dos Princípios Fundamentais, lança, no seu artigo 2°, a mesma redação, valendo, pois, para o atual Estatuto Básico, o quanto se disse a respeito da Constituição de 1946. 

O PODER JUDICIÁRIO EM FACE DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO

            Considerada a evolução do Direito Constitucional Brasileiro parece não sobejar dúvida quanto à independência e harmonia dos três poderes. Assim, lançado esse fragmento constitucional no Título que cuida dos Princípios Fundamentais, a sua compreensão há de passar necessariamente pela hermenêutica constitucional.

            Nesse mister, é importante não descurar da especificidade de que se revestem os elementos norteadores dessa hermenêutica, deles importando reter a noção de autorreferência, visto que a interpretação de tais normas não se pode valer de parâmetros, critérios e princípios que não os nelas mesmas substanciados[60]. Importa dizer que todos os elementos interpretativos do texto constitucional hão de ter sua conformação exclusivamente endógena, além do que, sendo a Constituição um sistema, dotado, portanto, de coerência, não se pode presumir contradição entre suas normas[61].

            Havendo, portanto, situações lindeiras, que insinuem a existência de antinomia constitucional, como parece ocorrer na hipótese presente — haja vista a verdadeira inversão na estrutura frasal do artigo 2°, onde se pretende substituir a expressão independência e harmonia dos poderes por supremacia do Poder Judiciário[62] —, impõe-se buscar, na própria Constituição, à vista dos princípios dela extraíveis, um modo de atribuir coerência e utilidade aos fragmentos nela lançados, não por acaso, pelo legislador constituinte.  

            Sobreleva notar, no exercício da hermenêutica constitucional, que o princípio fundamental eleito pelo Constituinte como base da República Federativa do Brasil foi o da harmonia e independência dos poderes entre si.


            Segundo o lapidar magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.[63]

            Com as vistas voltadas para esse princípio — e para os demais ensartados no título I — é que há o hermeneuta de pautar a exegese de todas as normas do texto constitucional, porque é justamente o Título I, que contém a síntese perfeita daquilo que o constituinte originário, detentor da soberania, sufragou como supedâneo da República Brasileira.

            De outra parte, não olvidando que os elementos da interpretação constitucional hão de ter sempre o caráter endógeno, autorreferente, cumpre não descurar do fato de que o Constituinte, ao pinçar um princípio para insculpi-lo no Estatuto Político, o faz consoante o princípio é concebido na sociedade que a Lei Básica pretende reger. Não seria lógico entender que o conceito informador do princípio da separação dos poderes, na Constituição Brasileira, estivesse referenciado à distribuição do poder político como nas monarquias mistas, ou na separação horizontal, justamente porque a sociedade brasileira não é estamentalizada. Tanto mais assim se há de entender quanto se sabe que o Parágrafo Único do artigo 1° elege o Povo como o solitário detentor do poder.[64] 

            A questão é, pois, de separação funcional. O poder é reservado ao Povo e é por este delegado aos membros do Legislativo e do Executivo, ou é exercido diretamente, nos termos da Constituição.

            Há aí uma espécie de deslocamento de pano de fundo: por um lado, a teoria de que o poder pára o poder deixa de se preocupar com as classes sociais, com os estamentos, para se preocupar com pessoas ou grupos de pessoas (grupos de pressão, lobbies). Por outro, o poder político, num movimento originário de autorregulação estabelece, no seu estatuto político, regras de jurisfação do poder de tal sorte que o exercício de uma função não permita ao seu agente apresar os agentes das outras funções estabelecidas, isto atentando à máxima de Montesquieu sobre a tendência que têm os detentores do poder a dele abusar.

            Não é difícil vislumbrar, nesta Constituição, o zelo com que a matéria foi versada, o que nos deu um texto de dimensões amazônicas, talvez um dos maiores do mundo em termos de fragmentos (aí considerados artigos, incisos, alíneas, parágrafos), sendo tal zelo somente justificável como um receio de evitar a hipertrofia do Poder Executivo, como historicamente vinha ocorrendo na República Brasileira, às vezes disfarçada, às vezes escancaradamente, como com a Constituição de 1937,  e com o governo dos atos institucionais, tão em voga após a revolução de 1964  — atos esses que sem dúvida alguma representavam manifestação do poder constituinte originário, fundado na força de um grupo  misto,  militar e civil, com predominância do primeiro  —,  que faziam com  que o Brasil tivesse tantas constituições ou alterações da constituição quantas fossem as suas edições.

            A Assembléia Constituinte, que vislumbrou nesses períodos o desmantelo do conceito de governo democrático, privilegiou a atividade do Poder Legislativo — o que nos parece essencialmente correto —, aproximando-se do conceito Lockeano de separação dos poderes que também impunha a supremacia do Legislativo, que é onde se encontram os representantes do Povo para deliberar a forma e sob que leis a sociedade se quer ver regida, e alargou a incidência das chamadas cláusulas pétreas.  Essas impedem que mesmo o poder constituinte constituído (ou derivado) possa alterar: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e; os direitos e garantias individuais.

            Ocorre que, cessados os períodos de exceção e "consolidado" o assim chamado Estado Democrático de Direito com a promulgação da Constituição de 1988, um fenômeno novo (em termos de sociedade política brasileira), fático, passou a se manifestar, já com a chamada Escola do Direito Alternativo,  da Justiça do Rio Grande do Sul, já através de posições independentes de natureza igualmente heterodoxa, em que o juiz abandona a lei — e a Constituição —  e busca o seu sentido de justo legal, sem qualquer compromisso com a norma estabelecida pelos representantes!? do Povo.    

            Isso, que nos parece teratológico e que fulmina com qualquer resquício que se tenha do conceito de soberania popular, vem encontrando guarida irresponsável em sede de doutrina, quase sempre lavrada por integrantes da própria magistratura, numa desabrida advocacia pro domo sua, verdadeiro golpe de Estado desarmado.

            Os corifeus dessa doutrina asseveram que a existência de institutos (rectius, ações constitucionais) como o Mandado de Segurança, o Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Popular, o Habeas Corpus e o Habeas Data firmam o convencimento no sentido do poder conferido ao Judiciário de investigar e controlar os atos do Poder Executivo. Da mesma maneira, a existência, no Direito Brasileiro, do controle difuso e concentrado de constitucionalidade de leis demonstra a revisibilidade dos atos do Legislativo pelo Judiciário. As ações de um e outro Poder estariam, portanto, sempre submetidas ao Judiciário (que poderia placitá-las, ou não), o que atribuiria a este uma posição de supremacia relativamente àqueles.

            O argumento é falto de qualquer supedâneo científico e desalinhado — quiçá adrede desalinhado —  de todas as regras de hermenêutica conhecidas. Deveras, a existência dessas ações constitucionais, segundo se depreende de sua inserção no artigo 5°, que cuida dos direitos e deveres individuais e coletivos, visa justamente a garantir o cidadão contra os órgãos do Estado, indistintamente, não contra esse ou aquele Poder. Considere-se, por exemplo, o cabimento de ação popular contra o Estado por atos praticados pelo Judiciário ou os mandados de segurança individuais e coletivos que podem ser impetrados contra ato do próprio Judiciário. 

            Ainda que assim não fosse e, realmente, por descuido do constituinte originário, ocorresse antinomia entre fragmentos constitucionais (o artigo 2° e diversos incisos do artigo 5°) de que regras deveria valer-se o hermeneuta para superar o impasse e, se possível, atribuir utilidade a todos os textos e apaziguar situações conflitivas?

            A resposta a nosso ver cientificamente honesta, e já alinhavada, não exige alta disquisição, desde que se tenha presente a topologia das normas sob exame. O artigo 2° se encontra incrustado no Título I (Dos Princípios Fundamentais), que é justamente o que contém, como já acentuado, a síntese perfeita daquilo que o constituinte originário elegeu como espeque da República Brasileira. Parece, por isso, até despiciendo afirmar que é no princípio que há o hermeneuta de buscar a fonte de compreensão de todas as normas.

            A adequação visando a evitar a antinomia far-se-á, pois, da regra para o princípio,  jamais em sentido contrário; jamais do referido para o referente, do fundamentado para o fundamentante; jamais puxar o piano para o pufe.

            O princípio, de seu turno, embora exija o conhecimento de formulações teóricas a seu respeito, e das dissensões teóricas lavradas, possui, em si, algo de absolutamente incontroverso: a independência e harmonia dos três Poderes entre si.

            Ora, no lugar em que o constituinte diz independência não pode o hermeneuta ler submissão, dependência,  subalternidade. Afinal, como adverte Rumpf, citado por Maury de Macedo, "As audácias do hermeneuta não podem ir a ponto de substituir, de fato, a norma por outra."[65] Assim, as ações constitucionais hão de existir, ter sua aplicabilidade e ser entendidas como forma  de garantir esse independência e harmonia entre os Poderes da República. Nunca o contrário.
                       
            Isso nos parece suficiente para espancar essas peralvilhices que visam a atribuir supremacia ao Judiciário em detrimento dos outros Poderes e, sobretudo —  e muito mais importante —, da soberania popular e de todos os conceitos de democracia, como governo exercido pelo povo ou por seus representantes.



A DITADURA DO JUDICIÁRIO

            A questão que se põe a esse respeito tem pertinência com o fato de que, sem embargo de as considerações retro se mostrarem de evidência solar, órgãos do Judiciário, sobretudo  do Poder Judiciário Federal,  no exercício de competência que não a penal, vêm determinado a prisão de agentes dos outros poderes sob o argumento de que cometem crimes de desobediência ou de prevaricação sempre que descumprem comandos judiciais (= de juiz), sejam partícipes ou não de determinada relação processual. É dizer, basta que o juiz ordene, mesmo a quem não seja parte, para que surja o dever de cumprir, sob pena de prisão.[66].

            Atribuem-se, esses julgadores, o título de vice-rei e fazem tábula rasa já do Estatuto Básico já da legislação subconstitucional. A esse respeito, afirma o Ministro Costa Lima, ao relatar Habeas corpus impetrado pelo Autor destas linhas, perante o colendo Superior Tribunal de Justiça:

Agora, a moda sensacionalística, alastra-se ao Ministério Público e ao Judiciário....

Há decisões que atentam contra a Constituição pois, mesmo sem o devido processo legal, decretam prisão de autoridades em processo civil e de pessoas que nem figuram como partes nas demandas.

Diz a Constituição - art. 5°, LXI - "ninguém será preso senão em flagrante delito  ou  por  ordem escrita e  fundamentada  de  autoridade judiciária competente. "

A prisão de qualquer cidadão pode decorrer:

a) de uma pena resultante de uma ação criminal com sentença trânsita em julgado;
b) de uma prisão processual, em flagrante, temporária, preventiva, decorrente de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível;
c) prisão civil, aplicável ao "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel" — CF, art. 5°, LXVII e
d) prisão administrativa.

Desse modo, fica difícil de compreender esses decretos de prisão de administradores, ao fundamento de que desobedeceram a uma ordem judicial.

Ora, é comezinho que, se a desobediência já se efetivou, o Juiz, no mesmo processo civil, não pode decretar prisão, mas, única e exclusivamente, enviar peças dos autos ao Ministério Público, a fim de que promova a ação penal competente, se a tanto concluir.

Caso a desobediência ainda não ocorreu, também não pode decretar prisão antecipada, por presunção de que não será obedecido. flagrante não se decreta, constata um fato ocorrente.

É muito curioso decretar-se a prisão de alguém por um crime ainda não cometido."[67]

            Lamentavelmente, porém, não se conhece o instituto do stare decisis[68] [69] no Direito Brasileiro — que poderia funcionar à semelhança do poder hierárquico do Direito Administrativo —, o que faz com que juízes de jurisdição inferior, impunemente, desacolham as razões desse julgado e busquem, de todas as formas, preservar suas possibilidades de arbítrio.        

            Assim, por exemplo, juízes que não se encontram no exercício da competência penal, tentam justificar suas arbitrárias ordens de prisão afirmando que, em caso de flagrante delito, a qualquer do povo e, também ao juiz, é admitido efetuar a prisão. Colhemos, apenas à guisa de exemplo, argumentação desenvolvida nas informações prestadas pela autoridade coatora[70]; no HC n° 93.01.04792-6:

            "A prisão em flagrante pelo juiz sem jurisdição criminal não se exerce apenas quando o ato for praticado em sua presença, mas também quanto (sic) for objeto da infração. Causa espécie o raciocínio que o legislador tenha permitido que qualquer do povo, em se tratando de prisão em flagrante possa efetuá-la e não um juiz cível que está presenciando no curso de uma demanda um ato de desobediência ou prevaricação em mandado de segurança. "

            No caso concreto, um mandado de segurança[71], o órgão do Judiciário determinou à Ré que concretizasse certo negócio e que "agentes da polícia deveriam proceder à prisão em flagrante... caso houvesse resistência."

            De lembrar, na certeza de que não constitui superfetação, o entendimento do Ministro Costa Lima: não se pode decretar prisão antecipada, por presunção de que não será obedecido. Flagrante não se decreta. Constata um fato ocorrente.
.             
            Também chega às raias do absurdo pretender atribuir esse poder de fazer prender, ao juiz incompetente, com espeque no argumento de que, in casu, age ele como qualquer do povo. É evidente a especiosidade. Seria de perguntar-se: qual do povo teria o poder de determinar a agentes de polícia que acompanhassem essa ou aquela diligência? Qual do povo teria o poder de mandar que agentes de polícia agissem dessa ou daquela maneira em face de um agir ou não agir de certo sujeito de direitos? Qual agente de polícia atenderia a essas ordens, se emanadas de qualquer do povo? Ora, não se pode torturar a lógica dos fatos. É de hialina evidência que o agente de polícia age sob a autoridade de um juiz, não de um qualquer do povo, e, no caso, sob a autoridade de um juiz incompetente.

            Vale trazer à colação o magistério de Hugo de Brito Machado a respeito:

            "Poder-se-ia argumentar que, em se tratando de situação flagrante, vale dizer, em se tratando de desobediência que está sendo cometida, a prisão é válida porque pode ser efetuada por qualquer pessoa. O argumento, porém, tem validade apenas aparente.

            Com efeito, é necessário distinguir o ato de prender, de efetuar a prisão de alguém, do ato de ordenar, do ato de decretar a prisão de alguém. O ato de prender alguém pode ser motivado pelo flagrante, o decreto de prisão obviamente há de ter outro fundamento...
            ............................
            Decidiu já a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1a. Região: 'Fora do flagrante delito, ocorrido em sua presença, o juiz que não tem competência para o processo criminal não poderá ordenar a prisão de quem quer que seja."[72]   
            Sem embargo, alastra-se a prática malsã em sentido contrário. Mesmo em execuções trabalhistas há adoção de duas posturas absolutamente distintas, conforme o executado seja um particular ou o Estado.

            Se aviada contra um particular, a execução segue seu iter normal com a constrição, em caso de inadimplemento, incidindo sobre o patrimônio do devedor, em prática multimilenar, que nos vem desde os meados do primeiro período processual do direito romano.[73]

            Se é contra o Estado, a constrição, de forma desautorizada pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, se faz contra o corpo dos agentes administrativos, com a sua prisão[74], sob o mesmo argumento de que, inacolhido o preceito judicial, ocorre crime de desobediência, "deslembrados"!, esses juízes, de que o processo de execução se rege por um sistema de ônus e constrições e não por um sistema de direitos e deveres.

            Pois bem, mesmo se levado de vencida o argumento de que se trata de um sistema de ônus, o que só se concede para argumentar,  ter-se-á, então, um dever de obediência no processo de execução. Descumprido o dever, poderão estar presentes as elementares do tipo descrito no artigo 330 do Código Penal. Ora, na hipótese, trata-se de crime (!) afiançável, o que desveste de qualquer legalidade procedimentos praticados pelo juízo cível endentes à efetivação da prisão.

            Nesse sentido há voto vencedor do Ministro Vicente Cernicchiaro, proferido em Habeas Corpus impetrado pelo Autor, cuja transcrita é oportuna:

            "Além do mais, a ordem expedida "paga" ou "esteja preso" caracteriza o crime de desobediência. Observa-se, a infração do art. 330 do Código Penal é afiançável, e, por isso, haveria necessidade de se estabelecer a fiança. Há, portanto, através da execução forçada, tanto no processo civil quanto no processo trabalhista, o caminho adequado. Não há possibilidade de fazer-se, no caso, superposição de sanção. A matéria é resolvida inteiramente na via processual, e urgia, como dito, estabelecer a fiança."  [75]

            Registre-se mais uma vez que a matéria versada é essencialmente de índole constitucional. De fato, o artigo 5°, inc. LXVI, da Lei Básica, impede que alguém seja levado a prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

            Nem por outro motivo, Hugo de Brito Machado, forte no decidido no HC n° 91.01.09138-7, em que foi Relator o Juiz Olindo Menezes, assevera: "Só é cabível a prisão em flagrante de crime inafiançável."[76]
           
            Os relatos e considerações acima são apenas exemplificativos e têm por objetivo pôr a nu uma prática diuturna de órgãos do Judiciário, representativa do mais odioso e execrável arbítrio.

CONCLUSÃO: A NECESSIDADE DE CONTROLE DO JUDICIÁRIO

            Lord Acton, citado por Ives Gandra Martins, dizia que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente[77].

            Se é certo que a Constituição pátria prevê a independência e harmonia dos poderes, não estabeleceu eficaz sistema de controles recíprocos, ou seja, não dividiu igualmente as faculdades d'empêcher de que cuidava Montesquieu, como forma de equilíbrio entre os poderes.

            O tratamento constitucional inusitado que recebeu o Poder Judiciário brasileiro, cujos membros não são eleitos, e têm deferida a faculdade de controlar a constitucionalidade das leis, tornou-o um essencialmente diverso do concebido por praticamente todos os teóricos das separação dos poderes, merecendo, também por isso,  um tratamento especialíssimo de modo a evitar que se torne letra morta a cláusula pétrea do princípio da separação dos poderes.

            Esse tratamento há-de levar em conta, com máximo desvelo, a questão pertinente à legitimação dos três Poderes da República.

            Admitido como certo que o princípio da separação dos poderes cuida de uma separação orgânica de funções — porque incompreensível a adoção da teoria das constituições mistas em sociedades não estamentalizadas — tem-se que a legitimação próxima do exercício dessas funções deflui do próprio texto constitucional.

            Ocorre que esse mesmo  instrumento legitimante reconheceu que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente.... (Constituição Federal, artigo 1°, parágrafo único), o que vem confirmado no artigo 14 do mesmo Estatuto Político que determina: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto “(e periódico, conforme definido no artigo 60, § 4°, que inclui essa disposição entre as cláusulas pétreas).

            Esse poder soberano, mesmo admitida a tese de Miguel Reale sobre a jurisfação do poder, é exercido sobre as funções (=poderes) Legislativa e Executiva, justamente por meio do voto direto e periódico, como forma de escolha de seus agentes, representantes no poder, e, induvidosamente, como forma de placitar ou reprovar condutas havidas no exercício dessa representação.  

            No que diz, porém, com o Poder Judiciário, a situação é bastante diferente. Não são os seus agentes escolhidos pelo detentor da soberania e, sobretudo, não passam pelo controle periódico de legitimação, o voto, visto como são vitalícios. Não têm, por isso, de proceder na conformidade com o justo social, presumivelmente querido pela lei. Elegem o seu justo pessoal — ao menos, podem elegê-lo — independentemente de prestação de contas à sociedade sobre cuja conduta decidem. Fazem-se independentes do voto da desavisada sociedade, que desconhece a advertência de Lord Devlin: "

            "É grande a tentação de reconhecer o judiciário como uma elite capaz de se desviar dos trechos demasiadamente embaraçados da estrada do processo democrático. Tratar-se-ia, contudo, de desviação só aparentemente provisória; em realidade, seria ela a entrada de uma via incapaz de se reunir à estrada principal, conduzindo inevitavelmente, por mais longo e tortuoso que seja o caminho, ao estado totalitário."[78]

            Quadra lembrar que esses agentes, não detentores de legitimação política, tiveram a si deferido o poder de julgar situações conflitivas entre órgãos do Estado e particulares[79] e, comprovando a máxima de Montesquieu, estão adegenerar esse poder em arbítrio, tentando subjugar os dois outros poderes, justamente os que, bem ou mal, poderiam, ou podem, ser controlados pelo detentor da soberania.

            Esse proceder, tendente ao arbítrio e à opressão, vulnera a Constituição naquilo que ela possui de mais fundamental: a soberania da sociedade política. Vem a pêlo, por isso, repetir as palavras candentes de Calmon de Passos:

            "As violências contra a Constituição levadas a termo pelo judiciário são menos espalhafatosas, porque, sendo ele um poder desarmado, não tem a seu serviço nem o Exército, nem a Marinha, nem a Aeronáutica ... Se menos espalhafatosos, não são menos perniciosos, talvez sejam até mais daninhos. São como enfartes de que a gente é vítima sem saber, enfartes  que não nos hospitalizam, mas vão minando a nossa saúde cívica e fazendo  da cidadania do brasileiro uma coisa cada vez mais esgarçada, mais abstrata, mais de pouca monta."[80]

            É preciso, em face disso tudo, que efetivos controles sobre o Judiciário sejam criados, de modo a garantir a higidez do Princípio da Separação, o primado da soberania popular e a liberdade dos cidadãos. Os controles existentes são ineficazes (processos por crime de abuso de autoridade, responsabilidade do Estado por erro judiciário, recorribilidade das decisões teratológicas) e isso é facilmente perceptível no chamado mundo sensível, embora tenham alguma pertinência no chamado mundo normativo.

            Não se pretende, obviamente, reduzir a independência do Judiciário. Quer-se, isso sim, reduzi-lo às suas reais dimensões: igual aos outros Poderes, nem mais nem menos importante. Não é, pois, o caso de reduzir o Judiciário a "um poder nulo e invisível" ou à "boca que pronuncia as palavras da lei", mas sim de confiná-lo aos limites da Constituição.

            Para isso é imprescindível a criação de uma corte política de controle de constitucionalidade — que possa exercer um juízo prévio de compatibilidade das leis com a Constituição — extinguindo-se a possibilidade do controle difuso exercido pelos juízes, nos mesmos moldes do direito francês.  Essa imprescindibilidade resulta de uma obviedade: se ao Judiciário couber dizer o que é a Constituição e quais leis são ou não com ela compatíveis, toda a sua conduta, por mais estapafúrdia, estranha e arbitrária que seja, será por ele mesmo julgada legal!
             
            Além disso, outros instrumentos e mecanismos podem ser criados.  É cogitável, por exemplo, a extensão legal dos efeitos de uma decisão de um órgão de jurisdição superior sobre todos os órgãos de jurisdição inferior, com penalidades ao juiz que desacatasse esses efeitos vinculantes. Seria uma espécie de stare decisis, no direito do tronco romano-germânico, a exemplo dos assentos do Direito Português.              

            Poder-se-ia cogitar, também, de eleições para o cargo de juiz, e para os mais recalcitrantes em admitir essa idéia (que não é nem nova nem inusitada, já que encontra paradigma no Direito comparado), far-se-ia a concessão do referendo popular. Em outras palavras, o sistema de ingresso na magistratura seria por meio de concurso de provas e títulos, referendável o acesso, após um determinado período.  

                        Também seria possível a inserção, no texto constitucional, de preceito estabelecendo a responsabilidade dos órgãos do Judiciário, a exemplo do que se contém no artigo 23 da Constituição do Uruguai, cuja transcrita é oportuna:

            "Art. 23.  Todos los Jueces son responsables ante la Ley, de la más pequeña agresión contra los derechos de las personas, asi como por separarse del orden de proceder que en ella se establezca".

            A adoção dessas medidas não excluiria a possibilidade de conselhos de cidadãos, detentores originais da soberania, com competência para fiscalizar a atividade do Judiciário e coibir abusos e desviamentos cometidos em detrimento do regime democrático ou em violação dos direitos da cidadania. Aí sim, a soberania popular teria o controle de todas as funções estatais.  




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[

NOTAS

1]O Jurista gaúcho publicou Relatório que ofereceu ao Congresso da Associação Internacional de Direito Judiciário sustentando que a Constituição conferiu ao Poder Judiciário, no Estado de Direito, "importância superior à dos demais Poderes.", in Revista de Processo n° 61, p. 161.
[2] in, O Controle da Constitucionalidade da Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988, p. 23.
[3] Ver, por todos, Paulo Bonavides, in, Ciência Política, p. 162.
[4] in Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção e Habeas data (Constituição e Processo), p. 51.
[5] Revista Veja (Páginas Amarelas), Ano 26, nº 17.

[6]apud, VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Superior Tribunal de Justiça (competências Originária e Recursal), in, Recursos no Superior Tribunal de Justiça, Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira, p. 3.

[7] "... c'est une expérience éternelle que tout homme que a du pouvoir est porté à en abuser.", apud  Caio Tácito,  Poder de Polícia e Polícia do Poder, in Direito Administrativo da Ordem Pública, p. 95.

[8] Confira-se o entendimento do filósofo inglês em An Essay Concerning The True Original Extent and end of Civil Government, passim.
[9] Conceda-se, porém, que o conceito de poder executivo, à época, era diverso do que vige hoje, conforme será oportunamente demonstrado.
[10] Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 1982, p. 16.
[11]idem, ibidem, p. 14.

[12] Cf. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, in, Teoria do Poder, p. 34, nota 4.
[13] in, Pour une Geographie du Pouvoir, p. 44.
[14] Afirma o mestre de Louvain: "Du moment que le droit positif est lié à l'existence d'un ordre sociétaire — celui de la société politique, interne ou internationale, — il ne peut trouver sa source, au moins sa source dernière, que dans le pouvoir, c'est à dire, l'autorité qualifiée pour presider à l'organisation du groupe et à la direction de ses membres", in Théorie Générale du Droit, p. 31.

[15] Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no "sentido antropológico, o poder se origina num diferencial de capacidade, sempre presente, dada a natural desigualdade entre cada ser humano, que a vontade pode utilizar para produzir efeitos que não ocorreriam espontaneamente. No sentido sociológico, o poder é o princípio motor da instituição, o acréscimo energético, o quantum que faz do costume uma instituição, tornando-a impositiva para organizar o meio social segundo uma idéia.",  op. cit., p. 36.
[16] apud, Diogo de Figueiredo Moreirta Neto,  op. cit., p. 53.
[17] Nesse sentido Claude Raffestin, op. cit. p. 46.
[18] Curso de Direito Constitucional, p. 202.

[19] Op. cit. p. 29, n/tradução.
[20] In, O Conceito Polêmico de Soberania, p. 181, nota 23.
[21] Cf. Paulo Bonavides,  in, Ciência Política, pag. 108.
[22] Cf. Machado Paupério, op. cit.p. 86, nota 25.
[23] Fala-se de interesses de sindicatos, de banqueiros, da imprensa, dos sem-terra, dos usineiros etc.
[24] Op. Cit. , p. 34.

[25] Obra e local citados.
[26] in Teoria do Direito e do Estado, p. 82.
[27] Diz-se, ao momento da formação do Estado, porque, após, dividem-se as opiniões, uns entendendo que o poder político passa a ser exercido pelos órgãos constituídos, outros entendendo que ele continua fora da estrutura do Estado, embora sobre ele incidindo de forma direta.

[28] Op. cit. p. 81.

[29] No original: "Je reste convaincu que toutes ces discussions sur le sens e la portée du mot souveraineté sont purement oiseuses, que les expressions souveraineté, pouvoir politique, pouvoir de domination sont synonymes.."in, Traité de Droit Constitutionnel, vol. I, troisième édition, Ancienne Librairie Fontemoing & Cia., Éditeurs. E. de Boccard, Sucesseur, 1927, pag. 544.

[30] Cf. Nuno Piçarra, in, A separação dos Poderes como Doutrina e Princípio Constitucional — Um contributo para o Estudo e suas Origens e Evolução, p.11, nota 1.

[31] Nuno Piçarra entende que o conceito de constituição mista atende às desigualdades e diversidades existentes na sociedade com o objetivo de as compor na orgânica constitucional, de tal maneira que nenhuma classe adquira preponderância sobre a outra, enquanto que a constituição média encara o equilíbrio entre as classes como um processo de atenuação das diferenças entre elas, ou seja, como um processo de integração numa grande classe média.- op. cit. p. 35.
[32] A Política, p. 109.
[33] Nuno Piçarra, baseado na mesma fonte, indica como formas de governo a monarquia, aristocracia, república e tirania, oligarquia e democracia. op. cit, p. 33.
[34] Ives Gandra Martins aponta: reino, aristocracia e politia (boas formas) e tirania, oligarquia e democracia (formas más), in, A Separação dos Poderes no Brasil, p. 17. 
[35] Aristóteles assimilava constituição a governo.

[36] Há três opiniões, segundo Nuno Piçarra, a respeito da autoria da separação dos poderes: a que entende ter sido Locke o seu autor original; a que vê em Locke mero precursor de Montesquieu e a que não vê na sua obra qualquer doutrina de separação.

[37] Cf. Piçarra, op. cit. p. 67.

[38] Locke, op. cit. p. 167

[39] Ciência Política, p. 148.

[40] In, Historia del Pensamiento Juridico, especialmente pp. 124/ 125.

[41] Ob. cit. p. 111.

[42] Op. cit. p. 153, n/ trad.

[43] Op. cit. p. 182.

[44] Apud, Paulo Bonavides, op. cit. p. 149.

[45] A primeira vez que esse princípio foi expressamente adotado foi em 1776, na Declaração de Direitos da Virginia.

[46] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 76.

[47] V. g.  Livro XI, cap. VI.

[48] Op. cit. p. 105

[49] Corresponde essencialmente ao Poder Federativo da teoria de Locke.

[50] Op. cit. p. 78

[51] Esclareça-se que a concepção de Direito Civil é absolutamente distinta da que se tem hoje. Montesquieu, por exemplo, dividia o Direito em: Direito das Gentes, Direito Político e Direito Civil (onde se situa inclusive o direito penal, embora já distinguisse as questões penais das demandas entre particulares).

[52] Op. cit. p.s. 167/168.

[53] Op. cit. p. 79.

[54] Op. cit. p. 162

[55] Diferentemente do que acontecia na antiguidade clássica, como relata Fustel de Coulanges, in A Cidade Antiga.

[56] Isto se casa com o conceito rousseauniano de que o poder é indivisível (uno) na sua origem e múltiplo no seu exercício.

[57] Equivocada a informação de Paulo Bonavides, in Ciência Política, p. 159, no sentido de que somente o Brasil teria adotado a Teoria do Poder Moderador.

[58] Cf. Celso Ribeiro Bastos, A Constituição de 1934, p. 4.

[59] in  A Constituição de 1937, p. 9.

[60] Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 14/15.

[61] Eros Roberto Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), p. 214.

[62] Confira-se o entendimento de Galeno Lacerda e Sacha Calmon Navarro Coelho, nas notas 1 e 2.

[63] Elementos de Direito Administrativo, p. 299.

[64] Observadas, obviamente, as nossas considerações sobre a atomização do poder nas sociedades contemporâneas.

[65] In, A Lei e o Arbítrio à Luz da Hermenêutica, pag. 127.

[66] Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, em desfavor do Instituto Nacional de Seguro Social, tramitando perante a Justiça Federal de São Paulo, o Juiz Corregedor do Tribunal Regional Federal da 3a. Região determinou, sob pena de prisão, que o Presidente do Banco Central do Brasil, que não era, evidentemente, parte no feito, bloqueasse as contas da Autarquia ré.

[67] Habeas Corpus n° 1169-0 -SP, publicado no DJ de 04.05.92

[68] Cuja expressão completa é stare decisis et non quieta movere.

[69] Ressalvada hipótese assimilada no direito eleitoral e a disposição pertinente à Ação Declaratória de Constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional n° 3/93.

[70] A Juíza Federal da 4a. Vara, da Seção Judiciária de Brasília, DJ de 16.03.93.

[71] Tratava-se de mandado de segurança com sentença concessiva, não transitada em julgado, em que a ordem, resistida pela impetrada, consistia em determinar à CEF que, em execução provisória??? concluísse, em caráter definitivo, um negócio de compra e venda imobiliária, como se isso fosse possível nessa modalidade de execução.

[72] in, Correio Braziliense, Suplemento Direito & Justiça, 09.03.92.

[73] O período das legis actiones. A partir da edição da Lex Poetelia Papiria, em 326 a.C., proibiu-se que a execução se processasse sobre o corpo do devedor e impunha que o patrimônio respondia pelas dívidas do seu titular.

[74] Até agora, pelo menos, ainda não se viu o mesmo expediente contra o devedor privado que não paga, em execução trabalhista. Penhoram-se-lhe os bens que, levados a hasta, servem, com o produto, à integração do direito reconhecido ao credor.
[75] HC n° 1.404-1 - RJ, DJ de 14.06.93.
[76] Obra e local citados.

[77] in  A Separação de Poderes no Brasil, p. 67.

[78] Apud, Mauro Cappelletti, Juízes Legisladores? p. 93.

[79] Já se viu que na concepção clássica, até hoje acolhida em França, o Judiciário não julga causa em que o Estado se encontre na qualidade de parte.
[80] in Mandado de Segurança Coletivo,  Mandado de Injunção e Habeas Data (Constituição e Processo), p. 51.

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